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Lição #19 – A nova moeda da conexão

Como gestos digitais como o Super Thanks e o live shopping revelam uma nova economia da atenção, em que o que realmente se compra é conexão, não apenas produtos. Tempo de leitura: 6 minutos

Olá, meu nome é Clara e, por algumas reviravoltas inesperadas do destino, hoje eu sou professora de estratégias de negócios, marketing e empreendedorismo para alunos do ensino médio.

É engraçado olhar para trás e pensar que eu tinha tudo para chegar até aqui desde cedo, mas acabei seguindo um caminho um pouco não convencional.

Nesta newsletter, eu vou dividir com vocês o que eu venho aprendendo sobre negócios para poder ensinar os meus alunos de uma forma que traga interesse e aprendizado real.

Neste momento da minha vida, o meu interesse por empreendedorismo não vem de uma vontade pessoal de me tornar CEO da minha própria empresa, mas sim de uma curiosidade em compreender conceitos e mudanças de mercado para poder ensinar algo realmente relevante para meus alunos.

🙋‍♀️ Presente?

Lição #19 – A nova moeda da conexão

Essa semana, enquanto assistia a um vídeo no YouTube, notei um botão diferente: Super Thanks. Fiquei curiosa — nunca tinha reparado nisto antes. Quando cliquei para entender melhor, descobri que é uma forma de o público enviar uma quantia de gratidão a criadores de conteúdo. Em troca, o comentário ganha destaque, e o criador pode responder publicamente. É como se fosse possível comprar, por alguns segundos, um “obrigada” exclusivo.

Parece inofensivo, mas há algo curioso nisso. As plataformas sabem que nossa atenção é valiosa e desenham maneiras de transformá-la em moeda. O Super Thanks é mais um exemplo de como o afeto, a curiosidade e o impulso de participar são convertidos em interação — e, claro, em receita.

🙏 Quer saber mais sobre Super Thanks? Assista a esse vídeo.

🥶 Agora, se teve curiosidade para saber qual era o vídeo que eu estava vendo — foi este aqui.

Quando vi essa possibilidade de pagar por um comentário colorido, veio à minha mente a tendência do live shopping. Para mim, sempre soou como uma versão moderna da Polishop: alguém demonstra o produto em tempo real, responde perguntas e tenta convencer quem assiste. A diferença é que hoje esse formato virou um negócio bilionário, com crescimento acelerado em todo o mundo. Na China, por exemplo, o live commerce movimentou mais de US$ 600 bilhões em 2023 e já responde por quase 20% das vendas online.

Aliás, olha este novo negócio de estúdios para o TikTok Shop em Santa Monica, EUA…

No Brasil, o live shopping já passou da fase da curiosidade — virou estratégia concreta para acelerar resultados. Segundo o E-Commerce Brasil, mais da metade dos consumidores brasileiros já está familiarizada com o formato, e empresas tradicionais como Magazine Luiza e Casas Bahia têm apostado em transmissões ao vivo para gerar vendas e relacionamento. A principal vantagem, dizem, é humanizar a experiência online: tirar a frieza das vitrines digitais e devolver o calor da conversa — algo que a Geração Z, mais do que qualquer outra, espera das marcas.

O TikTok Shop, que estreou no Brasil em maio de 2024, não é só mais um canal de venda — está sendo tratado pelas marcas como termômetro estratégico para entender quem são e como dialogam com a Geração Z. A Riachuelo, por exemplo, entrou no primeiro dia de lançamento porque viu na plataforma não só uma vitrine, mas um espaço de comunicação direta com público jovem. A Natura também avalia esse canal como parte de sua estratégia omnicanal, usando-o para reforçar confiança e conectar presença física e digital.

Este artigo da Meio & Mensagem fala mais sobre isto.

O Michigan Journal of Economics descreve o TikTok Shop como exemplo de discovery commerce (compra por descoberta) : um modelo em que o consumo nasce da curiosidade e da recomendação, e não da busca intencional, como no comércio tradicional. Os vídeos curtos funcionam como vitrines instantâneas, e o algoritmo transforma interesse em compra quase sem o usuário perceber.

Quer saber mais sobre o Tiktok e a Geração Z, leia este post que eu fiz sobre como esta mídia social munda as nossas vidas.

Além da compra: o valor simbólico

É fácil pensar que essas ferramentas são apenas novas formas de monetização. Mas, olhando de perto, há algo mais profundo: uma mudança no que valorizamos quando consumimos.

No Super Thanks, quem doa não está comprando um produto — está comprando atenção, presença, reconhecimento.
No live shopping, o que se adquire não é apenas a mercadoria, mas a experiência de estar junto, ao vivo, com o vendedor e com outros espectadores que fazem parte da mesma comunidade.

O vídeo da NBC News sobre Amazon Live mostra isso com clareza: Myriam Sandler, criadora digital conhecida como @mothercould, transmite de casa para milhares de pessoas. Enquanto demonstra produtos, ela lê e responde mensagens em tempo real — “Hi from Ohio”, “Hello from Honduras” — criando um clima de intimidade que vai muito além da vitrine digital. É entretenimento, mas também é pertencimento. Uma compra que se transforma em conversa.

Em outras palavras: não compramos só coisas. Compramos histórias, interações e a sensação de fazer parte de algo compartilhado.

(Um parêntese necessário)

Falar sobre essas novas formas de consumo também exige um pouco de cuidado.
O mesmo design que aproxima, também captura. Os mecanismos que tornam o Super Thanks e o live shopping envolventes são os mesmos que alimentam o ciclo de atenção infinita — aquele em que o prazer da descoberta se mistura ao impulso de comprar.
Não se trata de demonizar as redes, mas de reconhecer o quanto elas foram desenhadas para reter e recompensar. Entender essa lógica é o primeiro passo para usá-la de forma consciente, seja como consumidor, criador ou educador.

Quando comprar vira espetáculo

Achei este relatório aqui da McKinsey sobre como esse comércio ao vivo está mudando a nossa experiência de compras e como as mídias sociais influenciam o consumo. Separei aqui alguns pontos interessantes:

A China saiu na frente. Em poucos anos, o live commerce deixou de ser novidade e já responde por mais de 10 % das vendas online. A previsão é que este número dobre até 2026. O que parecia uma “modinha de app” virou hábito de consumo.

As taxas de conversão são impressionantes. Enquanto o e-commerce tradicional sofre com carrinhos abandonados, as lives alcançam até 30 % de conversão — dez vezes mais. O que convence não é o preço, mas a presença.

Moda e beleza reinam. São categorias em que ver, testar e demonstrar muda tudo. É conteúdo, aspiração e pertencimento.

A força da Geração Z. Para os mais jovens, comprar de quem confiam soa natural. A publicidade tradicional perdeu o script; o que vale é autenticidade.

Criadores como protagonistas. Eles não apenas vendem: interpretam o desejo coletivo e transformam uma demonstração em movimento cultural.

It’s Showtime: How Live Commerce Is Transforming the Shopping Experience, da McKinsey (2021)

O lugar onde tudo se encontra

O lugar de comércio sempre foi também um lugar de encontro. Desde a ágora grega, onde se trocavam mercadorias, ideias e olhares, o ato de vender nunca foi apenas econômico — foi social. Era ali que as pessoas ouviam as novidades, discutiam política, compartilhavam histórias. Comprar era participar da vida da cidade.

Séculos depois, as praças das cidades pequenas mantiveram essa função: a igreja, o coreto, o bar da esquina. Gente conversando, crianças correndo, alguém vendendo pipoca, outro anunciando promoções. Tudo junto, tudo misturado. O comércio sempre teve som de gente.

Hoje, quando vemos um criador de conteúdo agradecendo um Super Thanks ou apresentando um produto ao vivo no TikTok Shop, estamos, de certa forma, voltando à praça — só que agora ela cabe dentro de uma tela.

🤔 Os chats são as novas conversas de banco de praça; os emojis, os gestos de reconhecimento; as curtidas, os acenos de cabeça de quem passa.

A tecnologia muda o formato, mas não o motivo. Continuamos procurando o mesmo que movia as ágoras e os coretos: a sensação de estar junto, mesmo quando estamos sozinhos.

E você? Onde fica sua praça? Conte pra mim!

Até daqui duas semanas,

Prof. Clara 

🍎 Como usar na sala de aula

A dinâmica da confiança nas redes sociais também aparece dentro da escola. Quando pedi aos alunos para assistirem aos vídeos do canal Entrepreneurship Made in Brazil (Empreendedorismo feito no Brasil), produzidos pela turma do ano anterior, percebi que eles reagiram da mesma forma como reagem a criadores de conteúdo no TikTok ou no YouTube: observando o estilo, comparando resultados e buscando inspiração.

Os ex-alunos se tornaram, na prática, uma espécie de influenciadores educacionais. Eles definiram padrões de linguagem, estética e formato que a nova turma naturalmente passou a usar como referência. O que antes era apenas material de consulta virou ponto de partida criativo: os alunos analisaram o que funcionava, o que poderia melhorar e, a partir daí, começaram a planejar os seus próprios vídeos.

Essa confiança entre pares revela algo sobre como a Geração Z aprende. Eles acreditam em quem viveu a experiência de perto, em quem parece “real”. O mesmo critério que usam para seguir alguém nas redes vale dentro da escola: autenticidade, repertório e identificação.

Talvez seja assim que se constrói uma praça escolar — um espaço onde o aprendizado é coletivo, onde cada aluno acrescenta um tijolo à história dos que virão depois.

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